Director-geral do INS defende fortalecimento de institutos de saúde em África
O director-geral do Instituto Nacional de Saúde (INS), Ilesh Jani, falando num seminário virtual realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição brasileira de pesquisa e desenvolvimento em ciências biológicas, sobre a pandemia no continente africano ontem (quarta-feira), defendeu a necessidade duma forte aposta no estabelecimento de institutos, onde não existem, e no fortalecimento dos já existentes, que, na sua opinião, estão aquém do desejado.
Jani justificou o seu posicionamento no facto de haver um reconhecimento do papel importante jogado pelos institutos no combate à pandemia do novo Coronavírus, assinalando que se trata dum reconhecimento feito pelo Governo e pela sociedade, em geral, sendo eles actores importantes no controlo das pandemias pelo facto de serem instituições técnico-científicas.
“Os institutos são actores na arena do Estado e participantes activos na definição de políticas. São instituições com orientação para inovação e para abordagens transdisciplinares, com orientação para cooperação nacional, regional e internacional”, esclareceu.
O dirigente sublinhou que, na sua opinião, os institutos são as únicas instituições do sistema de saúde com capacidade para realizar várias acções técnico-científicas duma forma estrategicamente concertada, congregando desde a investigação, o laboratório, a vigilância e observação.
Dados partilhados por Ilesh Jani revelam que, no continente africano, menos da metade dos países têm um instituto de saúde funcional e a capacidade científica e tecnológica daqueles que funcionam é muito heterogénea, sendo que alguns, poucos, têm uma grande capacidade, porém a maioria apresenta muitas fragilidades.
“Há uma necessidade urgente de estabelecer capacidades tecnológicas e metodológicas avançadas nos institutos que existem. Há uma série de áreas novas nas quais temos que trabalhar e onde a capacidade é ainda inexistente ou incipiente”, disse.
Alvo mais atingido pela pandemia em África é a cultura
O filósofo moçambicano José Castiano, também participante do referido seminário, disse que a razão fundamental da crise ainda maior em África, desde a eclosão da pandemia do novo Coronavírus, é que ela veio retirar aquilo que é do mais profundo no continente, que são os aspectos culturais.
Castiano, que é, igualmente, Professor universitário, explicou que, tal como se sabe, a África é o berço da humanidade nos dois sentidos da palavra, sendo humanidade em termos substantivos do próprio homem primordial e no sentido de ser humano, ou seja, no sentido adjectivo do termo. Segundo ele, há muitas provas de que o continente ainda preserva este sentido original de humanidade nos dois sentidos.
“A pandemia veio logo dar um golpe profundo nessa cultura humanista pelas razões que nos são óbvias. A primeira é que já não nos podemos apertar as mãos, tínhamos que nos cumprimentar à distância, não se podem visitar os doentes, não se podem celebrar, com aquela nossa exuberância, os casamentos, portanto todos os ritos que são aspectos simbólicos desse sentido de vida humanista em África tiveram que ser repensados ou se adaptar a esta nova condição”, indicou, aclarando que essa foi a maior cratera que a COVID-19 veio trazer.
Na mesma senda, o académico apontou um segundo factor da maior crise em áfrica, referindo-se à falta daquilo a que chamou de “defensores intelectuais culturais” que tenham intimidade e compromisso para com as culturas. Na sua explicação, este é o problema mais agravante.
“É sabido que, em África, a cultura desempenha um papel muito importante para os objectivos do desenvolvimento em todo o seu percurso. O caminho para o desenvolvimento africano é sempre interrogado a partir da cultura, seja ela a questão da democracia, economia e ética. Portanto, a cultura está no meio de tudo isso”, disse, realçando a necessidade de sempre se ter em conta a cultura em todos os aspectos da vida.
Igualmente, na sua intervenção, o Professor defendeu a necessidade duma partilha epistemológica entre as medicinas tradicional e convencional. O filósofo denunciou que perdura uma relação mística e inferiorizante para com a medicina tradicional africana, o que é uma característica não só das sociedades em geral, mas também dos próprios sistemas de saúde internos, facto que impede a cooperação.
“Este misticismo e inferiorização não se estendem a medicinas tradicionais chinesa, japonesa e da Índia. Aliás, os próprios alemães têm uma medicina tradicional, no sentido de que é local e de antiga e longa duração. Então, estes pressupostos entram em jogo quando se trata da África”, acusou.
Encarar as pandemias como ameaças de guerra
No mesmo evento, o director de Cooperação no Secretariado Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Manuel Lapão, falou sobre o papel daquela organização no enfrentamento da pandemia. Na ocasião, o dirigente destacou ser importante encarar as pandemias como ameaças de guerra, daí a necessidade de o mundo dobrar os investimentos em investigação e desenvolvimento, para combater doenças infecciosas.
“A COVID pode não ser a última pandemia. Não sabemos quando voltaremos a ser atacados por uma nova, mas o que sabemos é que não podemos deixar sermos apanhados de surpresa novamente. A boa notícia que surge é que podemos antecipar estes surtos de doenças infecciosas”, disse.
Para o sucesso, na referida antecipação, Lapão diz ser fundamental olhar de forma consistente para o passado, investir na preparação e levar a próxima pandemia tão a sério como uma ameaça de guerra que, para vencer, é preciso gastar dezenas de mil milhões de dólares.
Ainda na esteira do combate à COVID-19, Manuel Lapão realça que a CPLP julga que a vacina deve ser considerada um bem global, no sentido de que os seus efeitos sejam, verdadeiramente, globais e não deixem ninguém para trás.
Na explicação do dirigente, em relação à vacina, a CPLP considera crucial garantir o acesso universal, oportuno, justo, equitativo, seguro e eficaz, incluindo todos os produtos essenciais para a sua produção.
No mesmo contexto, o interveniente refere que a organização regrediu em relação aos avanços já conseguidos no contexto da Agenda 2030, sobretudo na área da redução da pobreza, numa situação em que o risco de contrair a COVID-19 ou outras doenças graves, em contextos de desigualdades, são muito mais sensíveis e podem ocorrer de forma mais elevada.
“A Agenda 2030 oferece, efectivamente, uma oportunidade duma maior reflexão sobre a necessidade de tornar este mundo mais justo e inclusivo”, anotou.
A Fiocruz é uma instituição nacional de pesquisa e desenvolvimento em ciências biológicas. Vinculada ao Ministério da Saúde do Brasil, ganhou grande visibilidade na pandemia por conta da parceria com a Universidade de Oxford e o laboratório AstraZeneca para a produção de uma vacina contra a covid-19.